O fato é que você acha que os pastores ou os vaqueiros querem o bem das ovelhas ou dos bois e os engordam e cuidam deles para uma finalidade diversa daquela do interesse de seus donos e deles próprios. De modo semelhante, você imagina que nos ESTADOS, os verdadeiros governantes se comportam com os súditos de modo diverso de como se comportaria alguém com as ovelhas e, dia e noite, não pensam em outra coisa, senão em tirar deles um proveito pessoal. Embora tão avançado no conhecimento do justo e da justiça, do injusto e da injustiça, você ainda ignora que a justiça e o justo na realidade não nos pertencem porque constituem o interesse do mais forte que comanda, enquanto que quem obedece e serve só leva prejuízo, e a injustiça, pelo contrário, se impõe a quem é verdadeiramente ingênuo e justo. Os súditos fazem o interesse do mais forte e, ao servi-lo, o tornam feliz, mas para eles mesmos não tiram a menor vantagem. Perceba que em qualquer circunstancia, o homem justo leva a pior no confronto com quem é injusto. Em primeiro lugar, em qualquer acordo privado em que dois indivíduos fazem sociedade, você jamais verá que, ao final de sua relação, o homem justo tenha ganho mais que o injusto, ocorrendo sempre exatamente o contrário. Nos negócios públicos, quando é necessário pagar impostos, de igual modo o homem justo paga mais e o injusto paga menos. Se, ao contrário, é questão de ganhar alguma coisa, um não ganha nada e outro, muito. Se ambos têm algum cargo, ao homem justo acontece, como mínimo, de desleixar por falta de tempo os próprios interesse domésticos e de não levar, exatamente porque é justo, nenhuma vantagem da coisa pública, além de atrair sobre si o ódio dos parentes e dos conhecidos, sempre que se recusar em favorecê-los contra a justiça. Precisamente o contrário ocorre com o homem injusto, isto é, a quem sabe impor-se eficazmente sobre os outros. Isto você deve considerar, se quiser compreender quanto é melhor, para o próprio interesse, ser injusto do que justo. Melhor você poderá compreendê-lo se atentar para a injustiça mais absoluta que torna extremamente feliz quem a comete e extremamente infeliz quem é vítima dela e quem não gostaria de comportar-se injustamente. Essa injustiça absoluta é a tirania que não se apodera dos bens dos outros aos poucos, mas toma tudo de vez: sagrado e profano, privado e público, com engano e violência. Quem é surpreendido cometendo um só desses crimes é punido e humilhado. De acordo com o crime cometido, é chamado sacrilégio, escravista, salteador, bandido, ladrão. Mas quem reduziu á escravidão seus concidadãos, além de tê-los despojados de seus bens, em lugar desses apelativos difamadores tem a reputação de homem feliz e afortunado, não somente da parte de seus concidadãos, mas também de todos os que chegam a saber da absoluta injustiça que cometeu. Isto porque se condena a injustiça não pelo temor de cometê-la, mas pelo medo de ter de sofrê-la. Portanto, a injustiça na medida adequada é uma coisa mais forte, mais nobre e que detém mais autoridade que a justiça. Esta, como eu dizia no começo, é o interesse do mais forte, enquanto que a injustiça é vantajosa e útil por si mesma.
A República – de Platão – 400 anos AC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário